Mil trezentas e onze visitas.
O Senhor Palomar, que não está habituado a estar na mira de focos de luz (sempre fugiu das objectivas das máquinas fotográficas e sempre se recusou a sequer pousar em grupo), está a estranhar a atenção que lhe estão a dar. Sobretudo em Julho - mês de férias, quando o país está a banhos e as praias estão mais lotadas que o mercado da Ribeira num sábado de manhã - sítio simpático, diga-se, onde se misturam todo o tipo de linguarejos e texturas, pese embora não tão populado quanto as livrarias, feitas feiras do livro (com o devido respeito pelas livrarias), que se mudam para o litoral, expropriando escolas primárias, mercados abandonados e ginásios à espera de Setembro. É o livro a um euro, a dois euros, promoção promoçãozinha, para ocupar os tempos livres com o livro que o pai se esqueceu de levar, pois pensou que o 24 horas seria suficiente para as muitas horas que passa a ficar mais vermelho que um adepto domingueiro do clube de Carnide. Pelo meio a criança quer estender-se ao sol, põe creme protector, faz castelos de areia, chapinha na água e dá um mergulho para o qual não pediu autorização. O pai volta a pôr o creme que a água dissolveu, a mãe a desapertar a fita do biquini, pois quer um bronze digno das revistas que compra na ida para o areal. É o gelado, é a bola de Berlim, é o livro que cai à água e fica com as páginas estragadas – mas não faz mal, foi só um euro, dois euros (promoção promoçãozinha), problema é a gasolina que não pára de aumentar (quase trezentos paus) e os restaurantes que têm a cerveja que se quer fria, à temperatura ambiente. É hora de deixar a praia e arruma-se no mesmo saco o livro com os cremes, com o chapéu da criança, as fraldas sujas e o maço de tabaco vazio. Vai tudo lá para dentro, o 24 horas é despejado no caixote do lixo (azul, claro, que o verde é para o vidro, o vermelho para o plástico e o amarelo para a lata de coca-cola que entretanto a criança pediu, e não bebeu, porque o vendedor não tinha palhinha). O livro sobreviverá àquela tarde, possivelmente àquelas férias, mas chegará a casa, juntamente com as crianças e a areia que se acumulou nos tapetes do carro, sem que mais ninguém lhe dê atenção. Não irá parar ao saco azul, pois em Portugal ninguém deita livros fora (o português pode ter dezenas de livros ainda envoltos em plástico que nunca irá ler, mas deitá-los fora é que nunca), contudo, não voltará a ser reaberto. O livro morrerá na estante, ninguém mais se vai lembrar dele. Mas daqui a uns tempos, quando mudarem de casa talvez aquele casal se lembre daquele livro. Não daquele livro especificamente – mas das férias que passaram juntos. E vendo assim as coisas, no fundo, talvez aquele livro até seja mesmo importante, pois acaba por cumprir o propósito e o objectivo final de qualquer livro (pelo menos num mundo ideal): servir de música de fundo e contexto do que mais importa.
Belo post.
ResponderEliminarGrato.
ResponderEliminarpalomar.