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Dia 1 de Setembro, o Senhor Palomar muda-se de livros e bagagens para http://senhorpalomar.com/

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O ponto de exclamação ou o início de uma petição para excluir a pontuação que nos faz passar por histéricos

Só por uma questão de dúvida é que o Senhor Palomar se permite usar um ponto de exclamação.

Porque não é de bom tom escrever a vermelho (há coisas que ficam da escola primária), falar alto (outras de boa educação), ou usar maiúsculas numa conversa de chat (neste caso, porque simplesmente alguém disse assim, já que a linguagem cibernética ainda não tem idade para ter maneiras), o Senhor Palomar gostaria de decretar o fim dos pontos de exclamação. Se vamos a tempo de mudar a ortografia, porque não erradicar um sinal que só nos faz lembrar que temos cordas vocais, pulmões, e que somos livres de os usar?

Toda a gente sabe que a primeira coisa a fazer para alguém nos ouvir é falar num tom baixo, quase sussurrante. Imediatamente, a outra pessoa chega-se mais, aproxima o ouvido do nosso discurso e dispõe-se a escutar com mais atenção. O ponto de exclamação tem a sua graça nos românticos e nos realistas do século XIX (Ainda o apanhamos!), mas numa altura em que o ruído tomou conta dos nossos dias (os carros fazem demasiado barulho, os comboios também, os computadores não param de murmurar, a impressora passa o tempo a cuspir papel e a televisão não se desliga nem à lei da bala) um pouco de silêncio na literatura é necessário e deve ser valorizado.

O Senhor Palomar não gosta de autores que abusam do ponto de exclamação para mostrar uma tirada inflamada. Não só porque aprecia o discurso em tom sereno, como porque considera que não raramente esse tipo de caminho estilístico esconde uma profunda incapacidade de alguém se fazer explicar. Mas pior que tudo isso é a interpretação que se rouba ao leitor: após um grito nos nossos ouvidos, ninguém mais consegue raciocinar, isso é um dado adquirido.

Se não lhe faltasse o jeito e a disponibilidade, o Senhor Palomar escreveria o manifesto e posteriormente pediria assinaturas em frente ao Metro. Erradicar o ponto de exclamação será um sinal de evolução civilizacional tão grande como não cuspir para o chão ou dizer palavrões em voz alta (a menos que se esteja no Porto e aí os palavrões são bem-vindos e devem ser não só respeitados, como estimulados – ver a semiótica da coisa aqui).

O ponto de interrogação, com a sua tendência para nos abrir os olhos com agulhas, tem tanto de delicado como ver o ex-ministro Manuel Pinho fazer corninhos no Parlamento. Lembrem-se disto da próxima vez que a mão vos fuja para a histeria.

12 comentários:

  1. Completamente de acordo. Proponho, mesmo, que se crie um «banner» para «Blogs livres de pontos de exclamação.» Estou a falar a sério. Não vejo sinal gráfico mais prejudicial e deletério do que esse ponto de exclamação que, hoje em dia, não quer dizer nada, absolutamente nada, senão uma inclinação do seu autor para a histeria. Responderei em breve no meu blog. (F.J.V.)

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  2. Vamos a isso, caro F.

    Haverá alguém que nos possa ajudar a criar tal banner?

    Um abraço,
    Palomar.

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  3. Assinarei essa petição e colocarei o banner sem cobrar nada, nem nada.

    (brincando .. mas concordando)

    Cumprimentos

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  4. Delicioso o seu texto... venha a petição...
    Eu abuso um pouco do dito cujo...
    Ou porque escrevo de "voz elevada"... ou deformação profissional de uma ex-prof. com o o hábito de ensinar meninos pequeninos...
    saudações

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  5. O ponto de exclamação tem utilidade, mas, como em tudo na vida, não se deve abusar. Há, porém, uma utilização desse sainal gráfico a que recorro de vez em quando e que defendo sempre: entre parêntesis, para manifestar surpresa ou incredulidade. Como em "Ela diz que ganhou um milhão (!) na Bolsa" ou "Ele pediu namoro à tua irmã(!)".

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  6. Também eu já pequei. Mas não posso deixar de concordar. É sem duvida um sinal de pontuação excessivo, que permite um salto por cima de uma boa argumentação e que exige ao mesmo tempo a indignação de todo e qualquer leitor. É em sim um atentado à liberdade do leitor se indignar ou não com qualquer assunto. Logo à partida está logo indignado com essa chuva, ou não para o caso do evento solitário, de pontos de exclamação.

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  7. Não poderei nunca concordar.

    Associar a exclamação à histeria (tenho dificuldade em entender razões que não sejam imediatas ou que sejam reflectidas) é multiplicar a histeria, ao mesmo tempo que denuncia uma inquietante ternura por ela, um contra-senso (contrassenso...), será?

    Mais: os adjectivos foram os primeiros a ser desprezados pela polícia da putativa elegância das línguas (“adejectando-os”...), seguiram-se os advérbios, assim, genérica e liminarmente (o meu despudor), agora é a perseguição circunstancial da exclamação, e até vem o Viegas de reticências em riste. É ofensivo. É indigno. Não têm todas as palavras a mesma dignidade? E os sinais de pontuação também não? Há nelas e neles um sistema de castas?

    Olhe, Palomar, este é um desabafo meu, não um acinte: é muito boa a sua alegoria das boas maneiras, aproveito-a para exclamar que a literatura assim é grosseiramente mal-educada.

    Declaro isto: não é falta de pontaria, é dificuldade aguda e grave em perceber o alvo. As palavras ou a pontuação não têm qualquer natural (nem artificial) dolo. Se existem pudores ou medos que gerem embaraços ao incomodar-se ou confrontar-se os maus utilizadores da língua - sim, esses mesmos -, seria um nobre e edificante exemplo transferir-se a culpa para nós próprios (embarco aqui, por cortesia), deixando em paz as inocentes palavras e sinais gráficos, e os cândidos metralhadores de reticências e exclamações. É o altruísmo do fim do mundo (novamente à porta, implacável, remarcado para 21 de dezembro de 2012, anotem nas vossas agendas).

    A haver excepções, a ser legislado, vamos a isso: quantas exclamações e reticências (podem conviver e acumular-se?) são permitidas por metro de texto?

    Qual é a fórmula matemática do bom senso?

    Por favor, levem muito a sério esta minha legítima pergunta.

    Um pouco desesperançado, com o ânimo que me resta, sem fazer juízos, sem tentar reverter o ónus da explicação razoável, pergunto: será séria responsabilidade do autor a interpretação estrita do texto, assim como será séria responsabilidade do leitor a interpretação histérica ou plácida do texto?

    Exemplos fortuitos e desassossegadores, à distância do braço:

    O Fazedor
    (Difel, 2002, página 33)
    Jorge Luís Borges?
    Um histérico.

    Os Adeuses
    (Relógio d’Água, ?, página 53)
    Juan Carlos Onetti?
    Um histérico.

    A Ministra
    (Quid Novi, 2009, página 98)
    Miguel Real?
    Um preguiçoso, leviano.

    Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín
    (Cotovia, 2008, página 98)
    Teresa Veiga?
    Uma preguiçosa, leviana.

    Mau Tempo no Canal
    (Relógio d’Água, 2004, página 284)
    Vitorino Nemésio?
    Um histérico.

    Dom Casmurro
    (Dom Quixote, 2003, página 293)
    Machado de Assis?
    Um preguiçoso, leviano.

    O Relojoeiro Cego
    (Gradiva, 2007, página 130)
    Richard Dawkins?
    Um histérico.

    Os Detectives Selvagens
    (Teorema, 2008, página 100)
    Roberto Bolaño?
    Um histérico.

    A Corte do Norte
    (Guimarães Editores, 2008, página 174)
    Agustina Bessa-Luís?
    Uma preguiçosa, leviana.

    Gente de Dublim
    (Livros do Brasil, 2001, página 124)
    James Joyce?
    Um histérico, preguiçoso, leviano.

    The Life and Opinions os Tristram Shandy, Gentleman
    (Penguin Classics, 2003, página 231)
    Laurence Sterne?
    Quatro exclamações na mesma página? Um histérico crónico. Poderia com facilidade ser um jornalista nosso contemporâneo.
    E os consecutivos &c. da primeiríssima página? Descaradas omissões voluntárias.
    Um preguiçoso, leviano.

    Ah, senhor Sterne, que me merece estas resistentes reticências, sem exclamação...

    Ora, essa. Essa, agora.
    Ora, ora, ora.
    Não se replique agora que deveria subentender-se um acometimento contra o jornalismo em abstracto. Pois.

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  8. Caro Palomar,

    perdoa-me a desatenção, à altura da publicação desta declaração, não estava ainda de volta à civilização.

    Agora que o Zé Mário Silva me alertou para isto, claro, subscrevo.

    Um abraço,
    tsg.

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  9. http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2009/07/ponto-de-exclamacao.html

    :)

    devo acrescentar 2 notas: 1)por deformação profissional, não consigo conceber a inexistência de uma pontito exclamativo aqui ou acoli, há um ou outro pico do espectograma vocal que só poderá ser representado pelo dito delgadinho; 2)é-me fisiologicamente impossível fazer aquela coisa da repetição contínua do ponto, aquela coisa de colocar o dedo na tecla de deixar correr os pontos... até me dá um arrepio só de me imaginar a (tentar) cometer tal acto

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  10. Afinal não era a gozar! Esta discussão literária estava a passar-me completamente ao lado!

    Fantástico!

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  11. Palomar, meu caro, V. andou a ler Scott Fitzgerald e os seus conselhos a jovens escritores: "Elimine todos esses pontos de exclamação. Um ponto de exclamação é como rir das próprias piadas".

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